terça-feira, 29 de março de 2016

A angústia desses tempos

Que fique claro que nem por um segundo ouso falar dos outros ou pelos outros. Que falo de mim, única e exclusivamente de mim, das minhas relações e percepções. 

Essa frase acima tem tudo a ver com o que tratarei nesse texto: a angústia desses tempos. A angústia de não poder se expressar. A angústia de não ser entendido ao se expressar. A angústia de ser julgado por não se expressar.

Não sei. Tenho uma vaga impressão de que antes (mesmo com as discussões e afins) todos tinham mais liberdade de expressão. Ou não? Como as relações e opiniões se davam na maioria das vezes pessoalmente, haviam opiniões, réplicas, tréplicas e fim. Consciências eram alteradas, amizades fortalecidas ou destruídas, admiração ou ódio reforçados e a vida seguia.

A culpa é das redes sociais? Sim e não. As redes não existem como organismos vivos, logo não tem culpa de nada. Mas as pessoas se influenciam pelas redes, então sim, elas têm culpa.

Antes nem sabíamos o que determinadas pessoas pensavam. Elas viam uma conversa ou discussão e nem entravam. Não viam necessidade de "marcar posição". Essa conversa tinha 4 ou 5 espectadores e acabaria ali e teria muito pouco impacto. Não havia um ódio ou antagonismo extremado.

Com polaridade em tudo, qualquer discussão ganha uma grande amplificação. É mais gente pra julgar. E mais gente se limitando pra se expressar, afinal não querem ser julgadas ou criar polêmica.

Mas aí entra a angústia. O pessoal mais moderado ou sensato não quer rolo e fica na boa. Quando um espaço não é ocupado por um, logo é ocupado por outro. E assim as opiniões moderadas, educadas e sensatas, foram substituídas pelo ódio, pela ironia, pelo deboche e pela truculência.
Em todos os setores. Religioso, sentimental, político, pessoal, familiar, tudo.
Sinto que há uma carência de naturalidade justamente pelo avanço e domínio do extremismo.

Exemplos:
Gente afetada coloca zilhões de fotos forçadas de determinada viagem ou evento. Pessoal de boa não posta nada pra não parecer forçado.
Pessoal extremista fala sobre política com ódio, raiva e truculência. Pessoal moderado prefere não se posicionar.
Pessoal convertido prega com fervor e doutrinamento sobre a Páscoa, Natal, Deus e afins. Pessoal desencanado nem fala nada.
Ateu debochado barbariza os crentes. Pessoas simples não falam sobre a sua fé.
Galera mal resolvida posta sobre seu relacionamento perfeito ou sobre a desgraça de ter um relacionamento. Pessoal tranquilo não posta nada pra não gerar confusão, ciúme, inveja ou tudo isso.

E tudo bem, se pensarmos "grande merda o Facebook" ou uma mesa de bar. Mas não. Bem ou mal, isso é parte da nossa vida. Influencia sim.

Aos que não ligam de não ter, de não postar ou de não darem a mínima importância para o que veem e ouvem por aí: os meus sinceros cumprimentos. Talvez isso seja o ideal.
Mas pra grande maioria (me incluo): é chegado o momento de resolver esse impasse. Essa angústia.

"Vou postar. Foda-se. Vou responder. Não ligo. Se vão pirar ou entender mal, pau no cu. Isso expressará algo que tenho vontade nesse instante". Assumindo essa postura, creio que haverá algo mais especial para o respeito mútuo e até para o controle dos que de alguma maneira dominaram a rede. Como se só eles pudessem se expressar.
Bombardeiam a sua vida com milhões de fotos de ostentação e julgam uma fotinho sua num churrasco humilde.
São grosseiros em muitas situações e julgam uma piada.
Azucrinam a cabeça de todos com ideologias equivocadas e não suportam uma opinião contrária.
Chega. Antes no bate-papo, todos saíam e acabava. Hoje não tem fim e estamos ali. Esse postura Facebookiana e "dona da verdade" tem falsa tem relação direta com o julgamento ou a admiração alheia. O povo é vaidoso e precisa dessa nova imagem.

Exemplo: fotos na academia. Será que é necessário? Tudo bem. Cada um é livre. Não entrarei no mérito de que a pessoa pode estar fingindo, que é auto-afirmação, cada um por si. Beleza. Não quero e não vou julgar.
Mas e a foto no boteco? Pode ser postada sem julgamento? Com a tag #BebendoTodas? Não que haja a vontade de ser o anti-herói. Só uma vontade de postar a foto num barzinho de bairro numa 2a. Tudo bem?

"Pára de viajar, cada um posta e fala o que quer".
Não. Mentira. O politicamente incorreto (mesmo que sem consequência ou constrangimento pra ninguém) é perseguido. As problematizações são a nova tendência. Ai de quem vacilar no argumento.
E o que acontece? Muitos se aquietam e muitos acabam com raiva de quem não segue essa tendência. De quem não está muito aí.

Tipo, imaginem alguém que posta: "Acho criança um saco". "Meu, não suporto tal banda". "Tal bar é uma bosta". "Quero que o Tomorrowland, SWU, Festeja, Abri Fest, Lollapalooza, vão tomar no cu". "Quem condenou o pai com o filhinho negro no Carnaval: vai cagar". "Problematizadores (ou seja: ativistas de sofá): CHEGA!".

Talvez seja linchado. "Ah, mas o politicamente incorreto não pode". Tá. Concordo com muita coisa. Mas do nada não pode o diferente. A moça posta falando sobre as dificuldades de ser mãe (num contra-ponto a uma campanha da beleza da maternidade) e é execrada. Me parece que até perdeu o perfil. E assim vai... NADA pode. Algumas figuras acabam até fazendo sucesso por externar pensamentos e ações. Seja de um lado ou de outro. Mas acredito que nesse texto trato do cidadão comum.

Fale, se expresse. Não julgue (talvez hoje essa seja a sua postura) e não admita ser julgado. Não só no Facebook. Na vida. Talvez esse texto seja muito mais sobre a vida e nem tanto sobre Internet. Mas não esqueçamos que a Internet também é parte da nossa vida.
E claro que temos que ter senso, mas talvez não. Cada um é cada um. Você respeita? Então merece respeito. Afinal sua cara está ali, exposta.

Paz e liberdade!

Beijos e abraços.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;