terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Futebol e a sociedade

"Quem se aliena de si próprio não é capaz de moldar a história a seu favor, mas será moldado pelos demais, e a preponderância do azar é a consequência dessa passividade."
(Felipe Quintas) 

Futebol e a sociedade 

De 94 a 2002 chegamos em 3 finais e ganhamos duas das três. 

(É uma geração de respeito também. Assim como os que de 58 a 70 ganharam 3 de 4 Copas.) 

Principalmente o time de 1994 que tirou o Brasil de um jejum de 24 anos. 


Pergunte pra qualquer um: as pessoas sabem mais do time de 1994 do que do de 2002. Talvez pela secura, talvez pelo bom horário dos jogos... 

Foi um time que teve se fechar em torno de um projeto. 
Um time que tinha um esquema tático bem definido e um meio de campo que protegia demais a defesa. 
Esse time tomou apenas 3 gols na Copa. 

Não tinha brincadeira. Os jogadores entravam de mãos dadas. Concentrados. Muitos estavam em 1990 e queriam acabar com o estigma da tal "Era Dunga". 
Já disse o PIL em "Rise": "Anger is an energy!!!".
Havia a humilhação. A vergonha. A raiva. Não por acaso quando pegou a taça Dunga explodiu: "Ganhamos essa porra!". 

Com muito mais vigor do que o celebrado, multi-milionário, funcionário do Emir do Catar e com uma roupa dada pelo próprio dono do país e do PSG. 
Sem zueira: torci pela Argentina (por ser contra a França) mas após o jogo não senti nenhum vigor na comemoração. 
Tipo o Dunga xingando, Romário já pegando a taça ou o Cafu improvisando e subindo no púlpito e escrevendo na camisa... enfim voltando: 

Parreira colocou Dunga no mesmo quarto que Romário pra colocar um mínimo de disciplina na cabeça do atacante.
Romário jamais fugiu da responsabilidade: saiu daqui falando que se perdessem a culpa seria dele. 
Tinham foco... lembro do filme oficial da Copa: "Todos os Corações do Mundo", que aliás fomos assistir no cinema, mostrando o túnel antes da final. 
Baggio encara Romário que não vira o rosto um centímetro para o lado. Foco.
(Um detalhe: vendo no cinema por ângulos bem doidos, mesmo sabendo dos resultados, dava a impressão de que podia sair algum gol... maluquice, eu sei. Ou medo após 24 anos de jejum... sei lá.) 

O Brasil não tinha mais nenhum respeito. 
Se Mbappé debochou da América do Sul em maio agora, na época Lothar Matthäus debochou do Brasil falando que era um time que jogava bonitinho, fazia alguns dribles e gols bonitos mas que não teria como vencer a Copa (talvez lembrando da geração de 1982). Lembro na comemoração no ônibus o Parreira mostrando a taça pra câmera e falando: "Oi Matthäus!". 
(Detalhe: não precisamos de pênalti roubado após levar ferro em duas finais como os alemães...)

Havia uma raiva, uma esperança, um foco. Na seleção e no país. 

Senna havia morrido, o Real tinha sido implantado pra conter a hiperinflação (Galvão até falava: "Valorize o seu Real, os preços vão baixar!), bem ou mal vivíamos sob um governo eleito pelo povo, após 21 anos de ditadura, afinal Itamar era vice do Collor e todo mundo acreditava em dias melhores. 

O SPFC (sem clubismo) havia mostrado que era possível chegar ao topo do mundo derrotando o poderoso Barcelona de Koeman (que estava nas quartas de 1994) e Stoichkov (búlgaro, um dos destaques da Copa) em 1992 e o Milan em 1993. O Milan era meio que a base da seleção italiana de 1994. 
Já conhecíamos Massaro (que teve o pênalti defendido por Taffarel) e outros.
Telê e Cerezo já haviam sido justificados. 

Havia uma esperança. Não era impossível vencer. 

Nos campos, na sociedade e na vida. 

Hoje em dia fica a pergunta: estamos lutando (jogando) pelo que? 

Estamos como essa seleção. Sem uma motivação real. 
Com nossas dancinhas para o TikTok, comendo nossas carnes mais caras, fazendo intervenções estéticas pra lá de fúteis, com televisores de 100 polegadas que parecem cada vez menores e completamente sem identificação com nosso passado e/ou realidade. 

Antes havia prazer numas linguiças, numa macarronada, num casamento com aquelas maravilhosas batatinhas em conserva e cerveja com gelo e serragem (pra conservar o gelo) num tambor e água no outro pra lavar a garrafa e o antebraço.
Havia prazer em assistir numa TV de 14 polegadas. O fato de ser colorida já era algo a ser celebrado.
Hoje nada dá prazer pra muitos. 

Quando somos postos à prova, mesmo vencendo, não aguentamos a pressão e mostramos nossa fragilidade escolhendo mal e desabando.
Como o Brasil com a Croácia. Com gol faltando 4 minutos e com pênaltis bem mal batidos. 

Veja os pênaltis de 1994 contra a Itália e 1998 contra a Holanda. Foco, força, segurança.
De alguma maneira, a seleção brasileira é um espelho do país. 
Gente que não quer ficar aqui, que não se identifica com o país, mas que sequestraram a camisa amarela e a própria bandeira nacional. 

Gente que ajuda o filhão colocando em um bom posto, sem pensar em nada.
Gente que vira as costas e sai correndo quando dá tudo errado. (Tite) 

Dava pra fazer mais analogias, mas está bom.
Vejamos como nos comportaremos como nação no próximo ano. 

Pensando bem, isso meio que se reflete na seleção. 

Pirei um pouco, mas não muito. 

Cito mais uma vez o Felipe Quintas, que me inspirou a escrever esse texto:
"Não acho que o problema brasileiro de hoje seja técnico, econômico ou o que seja. No futebol, nosso time era de longe o mais habilidoso de toda a Copa, e recursos não faltavam. No Brasil em geral, a mesma coisa. Temos tudo, mas nos falta o essencial: ser. Ser brasileiro. Ser o melhor de nós mesmos. Quando o Brasil é brasileiro, coloca o mundo a seus pés, como colocou no tricampeonato. Quando não é, se torna mais um, e a mediocridade, que é virtude para países menores, para nós, gigantes pela própria natureza, é a doença que nos abate e nos derrota."

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Carne folheada a ouro, patrulhamento, hipocrisias e a insuportável dicotomia

O que é luxo?

Uma canelada: particularmente não vejo muito sentido nesse patrulhamento sobre os atletas e ex-atletas da seleção brasileira de futebol masculino e a tal carne com ouro.

                         pecado mortal 

Esses caras são multi-milionários. Com certeza têm muito mais extravagâncias do que esse prato.
Bebidas.
Relógios.
Objetos de decoração.
Carros.

Do nada, cria-se um furor por algo que rola adoidado... e que rolou num país onde a ostentação é quase que parte do inconsciente coletivo.

A fome é algo brutal, não há dúvida.

Mas não há sentido nesse patrulhamento.

Me lembro de quando surtaram pelos vinhos do Zé Dirceu.
Agora falam do relógio do Lula.
Alguns falam da conversa do Bolsonaro sobre Jet Ski.
(Se não entendeu a citação dessas figuras apenas como exemplificação da dicotomia e da indignação seletiva, e vier defender a ou b, será bloqueado)

Temos que tomar cuidado porque, do nada, podem achar que os seus pequenos luxos também são uma extravagância, uma excentricidade.

Ir a um restaurante ou uma churrascaria normal é lícito ou também é luxo?
De repente você podia doar o valor daquela refeição pra debelar a fome (mesmo que momentaneamente) de algumas pessoas.

Brindar com uma espumante mais cara é lícito ou também é luxo?
De repente você podia doar o valor daquela espumante pra debelar a fome de algumas pessoas.
E talvez só brindar com uma espumante bem baratinha. Ou nem isso.

E aquela sua viagem? E aquela roupa? E aquela TV nova?

Enfim... vocês entenderam.

⚠️Longe de mim defender milionário, mas não dá pra achar que um luxo resolveria o problema da fome.
É tosco? Obviamente.
Mas não menos tosco do que o Ronaldo no motel com travestis. (Digo pelos gastos... não dou a mínima pela opção sexual)
Não menos tosco do que a tatuagem anal da Anitta. (Digo pelos gastos... não dou a mínima pela região tatuada)
Ou a Lamborghini rosa da Melody.
Não menos tosco do que a fachada da casa do Gusttavo Lima.
Ou talvez a coleção bilionária de carros do Nick Mason (Pink Floyd).
Ou a coleção de motos do Keanu Reeves.
Não menos tosco do que mil coisas... tem o helicóptero do Neymar com a logomarca.
O triplex dos Marinho donos da Globo.

Enfim...

Debelar a fome é uma obrigação do Poder Público.
Criar consciência social também. Com a ajuda da sociedade.
Sócrates sonhava em mudar a mentalidade dos atletas.

Penso que se houvesse identificação com os atletas da seleção, muito provavelmente não haveria tanta falação.
Talvez até houvesse uma brincadeira, um carinho pelo ex-meninos pobres que "venceram" na vida.

Mas não. Há um ressentimento. A CBF é um antro.
Ronaldo apoiou Aécio.
Parte dos caras é bolsonarista... aí fica esse papo.

Bilionário não deveria existir. O Brasil tem 206... com R$1.200.000.000.000,00 de patrimônio.
Grandes fortunas devem ser taxadas. (Está na Constituição...

SEÇÃO III
DOS IMPOSTOS DA UNIÃO
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.)

O resto é, na minha visão, tontice.

Todo mundo gasta e tem seus luxos e luxinhos.

Muito pior do que jogador e essa tal carne de ouro, é político gastar R$157.000,00 em tratamento dentário (bem mal explicado) com tudo pago pela Câmara.
Aliás esse mesmo cidadão, pastor Marco Feliciano, fez tratamento estético à base de gel de ouro.



Mas isso foi em maio de 2014. 
Antes da reeleição da Dilma que deixaria esse país fraturado e com essa dicotomia insuportável.

Cuidado com a hipocrisia. Ou logo você também será julgado.

Fui.